Pr. Luciano Gomes

Quando tudo é do diabo: O perigo do legalismo e da espiritualização excessiva

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“Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Porque atais fardos pesados e difíceis de suportar, e os põeis sobre os ombros dos homens; eles, porem, nem com o dedo querem movê-los.” (Mateus 23:4)

Vivemos dias em que muitos cristãos sinceros, mas despreparados, caem no erro de espiritualizar tudo ou demonizar tudo. Para esses, tudo é do diabo: a música com ritmo animado, a roupa com cor vibrante, a tradição regional, a festa cultural. Outros vão ao extremo oposto e transformam toda experiência emocional ou fenômeno natural em manifestação espiritual, perdendo o senso do real.

O resultado? Uma fé distorcida, marcada por legalismo de um lado e superespiritualidade alienada do outro. Ambos afastam o cristão da verdadeira liberdade em Cristo e o tornam vulnerável ao orgulho religioso ou ao medo constante do erro.

Legalismo: O fardo que Jesus não colocou

O legalismo é uma prática antiga, denunciada pelo próprio Jesus. Ele confrontou os fariseus por criarem regras humanas e imporem sobre os outros como se fossem mandamentos divinos.

Exemplos clássicos de legalismo atual:

A mulher que é condenada por usar calça, mesmo sendo recatada.

O irmão que é criticado por ouvir uma música instrumental que não é do “meio gospel”.

A família que é julgada por permitir que os filhos participem de uma quadrilha escolar, mesmo com roupa modesta e sem nenhuma prática pagã.

Essas atitudes partem de um zelo, sim, mas um zelo sem discernimento espiritual, como Paulo alerta:

“Porque lhes dou testemunho de que têm zelo por Deus, mas não com entendimento.” (Romanos 10:2)

O teólogo John Stott dizia: _”O legalismo é a religião do medo, não da graça. Ele produz cristãos cansados, não confiantes.”

A fé cristã não é um conjunto de proibições, mas uma vida transformada pela obra da graça. Isso nos leva ao segundo erro: a superespiritualização.

Quando tudo vira espiritual: da nuvem ao tropeço

É também comum encontrarmos irmãos e irmãs que, por falta de base teológica, espiritualizam tudo o que ocorre. Uma dor de cabeça vira ataque demoníaco. Um carro que não pega vira levante do inferno. Uma discussão familiar é atribuída a “demônios do lar”.

Exemplos comuns de espiritualização excessiva:

Pensar que toda enfermidade é causada por demônios.

Crer que tudo que não é “gospel” é profano.

Atribuir cada contrariedade a uma batalha espiritual, sem examinar causas humanas ou naturais.

O próprio Jesus, embora operasse milagres, não espiritualizava tudo. Ele chorou, teve fome, dormiu, comeu com pecadores, participou de festas. Ele foi divino e humano, e nos ensinou a viver com sensatez.

 “Tudo me é lícito, mas nem tudo convém.” (1 Coríntios 6:12)

O pastor e escritor A. W. Tozer dizia: _”Um coração cheio do Espírito não foge do mundo, mas discerne como agir nele.”

Cultura não é pecado: o caso das festas juninas

Recentemente tratamos aqui sobre as festas juninas. A reção de alguns foi imediata: “isso é do diabo!”. Mas precisamos perguntar: tudo nelas é pecado? Ou seria apenas uma expressão cultural que precisa ser analisada com discernimento?

Vestir-se de matuto, comer canjica, acender fogueira… é pecado? Depende do contexto. Se há idolatria, sensualidade, embriaguez, sim, há transgressão. Mas se é apenas uma expressão cultural da região, vivida com respeito e sob moderação, como dizer que é pecado?

“Não julgueis segundo a aparência, mas julgai segundo a reta justiça.” (João 7:24)

Precisamos ensinar nossos filhos a discernir, e não apenas a obedecer cegamente por medo. O medo não forma consciências. A Palavra e o exemplo, sim.

Conclusão: Nem tudo é do diabo, nem tudo é espiritual

A fé cristã precisa de equilíbrio, discernimento e liberdade com responsabilidade. O legalismo oprime, a espiritualização exagerada aliena, mas a verdade liberta.

 “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” (João 8:32)

Ser cristão é andar como Jesus andou: com santidade, sim, mas também com sensatez. O mundo precisa ver em nós não um povo estranho e fanático, mas uma geração que vive o Reino de Deus com profundidade, sobriedade e graça.

Que Deus nos livre da cegueira espiritual disfarçada de santidade, e nos dê sabedoria para julgar todas as coisas com os olhos da Palavra e o coração de Cristo.

Pastor Luciano Gomes, teólogo.

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