Em mais um capítulo do enredo jurídico-político que vem dominando os noticiários, a recente prisão — e relâmpaga soltura — do ex-ministro do Turismo Gilson Machado escancara a fragilidade e o improviso que têm marcado a condução de certos processos que orbitam o Supremo Tribunal Federal. O episódio, que se desenrolou com velocidade de novela das oito, revela algo que já vinha sendo intuído por quem acompanha os bastidores da República: o STF, ou ao menos o ministro Alexandre de Moraes, está desesperadamente em busca de um novo delator.
O colapso silencioso da delação de Mauro Cid
A delação de Mauro Cid, o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, era a tábua de salvação de um processo cujos alicerces sempre pareceram mais políticos do que jurídicos. Mas tudo mudou quando uma reportagem da revista Veja revelou que Cid teria mentido em sua colaboração premiada. A credibilidade do delator ficou em xeque, e o processo, antes sustentado com entusiasmo, passou a balançar como um boneco de posto em dia de vento forte.
A partir daí, o cenário mudou de forma drástica. Alexandre de Moraes, diante da iminência do colapso da delação, teve de fazer uma escolha: ou fingia que nada aconteceu, e deixava evidente sua parcialidade, ou se movimentava para salvar o que ainda pudesse ser salvo. A opção foi clara: agir — ainda que para isso fosse preciso improvisar.
A prisão sem base e a soltura sem explicação
Gilson Machado foi preso sob a alegação de ter tentado facilitar a fuga de Mauro Cid, através da emissão de um passaporte. A acusação é séria, sem dúvida. O problema é que, ao que tudo indica, não havia elementos concretos para embasar tal prisão. Tanto é que, poucas horas depois, o próprio ministro revogou a medida, reconhecendo a ausência de provas robustas.
Se já não bastasse a fragilidade do argumento, chama atenção o fato de que a defesa de Gilson conseguiu pedir a revogação da prisão antes mesmo que ela fosse efetivada. Isso levanta questões graves sobre vazamentos internos no Judiciário e o sigilo — ou a falta dele — em decisões que deveriam ser tratadas com o máximo de discrição.
O “Tinder” das colaborações premiadas
O advogado André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão, foi direto ao ponto ao comentar o caso no programa Sem Rodeios, da Gazeta do Povo. Segundo ele, Moraes está “à procura de um novo colaborador”, numa analogia certeira a uma espécie de “Tinder judicial” onde delatores são recrutados para dar sustentação a processos cada vez mais frágeis.
É uma crítica pertinente. Afinal, quando o Judiciário passa a agir como parte interessada, movido por objetivos políticos e pela necessidade de manter uma narrativa, corremos o risco de transformar a justiça em palco — e o processo penal em espetáculo.
Quando a justiça vira instrumento
O que está em jogo aqui vai além de Gilson, Cid ou Bolsonaro. O que se discute é o limite entre investigação e perseguição, entre justiça e utilitarismo jurídico. A instrumentalização de prisões temporárias como forma de coerção psicológica — ou de busca desesperada por delações — coloca em risco princípios elementares do Estado de Direito.
Se o delator mente, a consequência lógica deveria ser a anulação da delação. Mas se ele é o único pilar de um processo inteiro, prefere-se pressioná-lo a “corrigir” seu depoimento — ou procurar outro que aceite vestir a fantasia do herói arrependido.
Conclusão: o risco de um Judiciário que caça versões
A soltura de Gilson Machado por falta de provas é um sintoma de algo mais profundo: a falta de rumo de um inquérito que já perdeu o fio da meada. Com Mauro Cid em descrédito e a delação cambaleando, resta a Alexandre de Moraes e à cúpula do Judiciário a incômoda missão de encontrar alguém — qualquer um — que consiga sustentar a narrativa pronta, segundo o próprio Cid declarou em áudio vazado e revelado pela Revista Veja.
Mas justiça não pode ser construída sobre necessidades políticas, nem sobre delações produzidas sob pressão. Não se combate mentiras com versões convenientes. E não se restabelece a verdade com prisões infundadas.
No fim, a manchete é clara: procura-se um colaborador. Mas talvez o que realmente esteja em falta não seja alguém para delatar, e sim, alguém para colocar um freio no uso seletivo do próprio sistema judicial.