Conecte-se conosco

Pr. Luciano Gomes

O púlpito não é brinquedo: uma análise pastoral e teológica sobre a exposição precoce de crianças ao ministério

Pr. Luciano Gomes

Publicado

em

Introdução:

O fenômeno do “pastor mirim” e o alerta para a Igreja

Nas últimas semanas, o nome de Miguel Oliveira, conhecido como “pastor mirim”, se espalhou pelas redes sociais, dividindo opiniões. De um lado, há quem o aplauda pela ousadia e “autoridade” com que prega. Do outro, muitos se preocupam com o uso indevido da figura infantil em um lugar sagrado. O que está realmente acontecendo? Estaríamos diante de um “chamado precoce” ou de uma distorção gerada pela sede de visibilidade e entretenimento dentro das igrejas? Este artigo propõe uma análise pastoral, bíblica e teológica do caso — não para condenar pessoas, mas para iluminar caminhos.

  1. A formação da criança no contexto bíblico: o modelo judaico

Na tradição judaica, as crianças eram profundamente respeitadas, mas também educadas com rigor. Aos 5 anos, o menino judeu começava a aprender a Torá. Aos 13, assumia responsabilidades religiosas no bar mitzvá. Mesmo assim, nenhum deles era colocado à frente da sinagoga como mestre ou rabino. A ideia era formar primeiro, preparar com paciência, para depois responsabilizar. Isso nos ensina que o processo é tão importante quanto o propósito. Salomão já nos alertava: “Instrui o menino no caminho em que deve andar” (Pv 22:6), e não: “expõe o menino no caminho que ele ainda não entende”.

  1. Jesus e a maturidade do ministério: o tempo de Deus não se antecipa

Jesus, com doze anos, já surpreendia doutores da Lei no templo (Lc 2:46-47), mas não iniciou seu ministério ali. Ele voltou para casa e “era-lhes submisso” (Lc 2:51). Aos trinta anos, então, com maturidade, inicia seu ministério público (Lc 3:23). Isso nos ensina que ter vocação ou habilidade não justifica pular o tempo da preparação. O chamado de Deus é confirmado com o tempo, com o caráter e com a maturidade — não com carisma, aplausos ou curtidas.

  1. O púlpito não é palco: teologia da exposição e da responsabilidade

O púlpito é lugar sagrado, reservado àqueles que foram testados, aprovados e vocacionados por Deus. Paulo é claro: “Não seja neófito, para que, ensoberbecendo-se, não caia na condenação do diabo” (1Tm 3:6). Permitir que uma criança assuma tal função é violar princípios de maturidade espiritual e responsabilidade ministerial. A exposição precoce de crianças, como no caso de Miguel, transforma o púlpito em um palco. É um tipo de “sacrifício moderno”, onde se queima a infância para entreter o povo.

  1. A crise da teologia da prosperidade e o discurso infantilizado

Ao analisar os vídeos de Miguel, percebe-se um discurso influenciado por teologias distorcidas — como a da prosperidade — e uma infantilização da fé. Não há exegese, não há teologia, não há doutrina bíblica sólida. Em vez disso, há frases de efeito, gritos, trejeitos e imitações. Isso é perigoso, pois molda a mente da criança à performance e não à Palavra. Karl Barth disse: “A tarefa da pregação não é entreter, mas anunciar com temor e tremor a Palavra do Senhor.”

  1. Responsabilidade dos pais e líderes: proteger é mais importante que expor

Pais e líderes que colocam crianças no púlpito antes da hora não estão honrando a vocação da criança — estão explorando sua inocência. O papel da família é preparar, não projetar. O papel da Igreja é discipular, não exibir. Como disse Lutero: “A maior riqueza de uma nação são seus filhos bem educados no temor do Senhor.” Substituir formação por fama é um erro grave. Como disse Dietrich Bonhoeffer: “A prova suprema de uma igreja é o que ela faz com seus filhos.”

  1. E se for um chamado legítimo? O discernimento da Igreja

Não negamos que Deus chama pessoas desde cedo. Samuel foi chamado ainda menino (1Sm 3). Jeremias também (Jr 1:6-7). Mas há uma grande diferença entre ser chamado e ser exposto. Samuel foi criado no templo, mas sob orientação de Eli. Ele não foi feito sacerdote aos 9 anos. Ele foi formado. O problema não é Miguel, mas a pressa de seus responsáveis. Não se trata de questionar sua fé, mas de corrigir o processo.

  1. Consequências emocionais e espirituais da exposição precoce

Pesquisas da psicologia do desenvolvimento infantil alertam: crianças que recebem fama antes da maturidade tendem a desenvolver crises de identidade, ansiedade, narcisismo e até abandono da fé quando confrontadas com frustrações. A teóloga e psicóloga Marisa Lobo aponta que “a infância é o terreno da formação, não da cobrança pública.” Expor uma criança a julgamentos, críticas e aplausos é roubar dela algo que não pode ser devolvido: o tempo.

Conclusão: Voltemos à reverência e ao temor do Senhor

O caso de Miguel Oliveira não é um caso isolado. É o sintoma de uma igreja que precisa urgentemente retornar às Escrituras, ao discipulado, à reverência e ao temor do Senhor. O púlpito não é brinquedo. A infância não é vitrine. O chamado deve ser nutrido com oração, sabedoria e tempo. Que a Igreja de Cristo tenha discernimento para proteger seus pequenos e não os sacrificar no altar da fama.

Que possamos dizer como Paulo disse a Timóteo — este sim, um jovem ministro, mas já maduro: “Ninguém despreze a tua mocidade; mas sê exemplo dos fiéis, na palavra, no trato, no amor, no espírito, na fé, na pureza” (1Tm 4:12).

E que possamos ouvir a voz de Deus, que ainda hoje nos chama à responsabilidade: “Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21:17) — e não as exponha.

Pastor Luciano Gomes, Teólogo

O Pastor Luciano Gomes é um destacado líder religioso e estudioso da Bíblia, formado em Teologia pelo Seminário Teológico Evangélico Betel Brasileiro, em Cruz das Almas/BA. Ele é o criador do Grupo Crescimento Espiritual no Facebook e do blog "Crescimento Espiritual" (luvidangomes.blogspot.com), onde compartilha seus conhecimentos e reflexões sobre estudos bíblicos, mensagens e temas relevantes para a vida cristã contemporânea. Com uma abordagem interdisciplinar, o Pastor Luciano Gomes aborda temas como família, fé, ética, missões, evangelismo, discipulado, liderança, igreja e sociedade, oferecendo uma perspectiva profunda e inspiradora para os cristãos do século XXI.

Clique para comentar

Deixe um Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Tendência

Copyright © 2024. Todos os direitos reservados a Veja Aqui Agora. Portal desenvolvido por Edjesan Criações (75) 9 9192-9223