Pr. Luciano Gomes

Feridas invisíveis: A realidade silenciosa da violência doméstica

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“Livra-me dos homens violentos e salva-me!” (Salmos 140.1)

De fora, tudo parece mais fácil. Para quem apenas observa, julgar se torna quase automático: “Por que ela não sai dessa situação?”, “Por que aceita isso?”. Mas a verdade é que há dores que os olhos não veem e feridas que o corpo não revela. A violência contra a mulher é uma dessas dores silenciosas, profundas, que muitas vezes começam muito antes da primeira agressão física.

A violência se instala nas palavras que diminuem, nos olhares que ferem, nos gestos que humilham. Tudo começa de maneira tão sutil que, muitas vezes, nem mesmo a mulher percebe. Quando ela se dá conta, já está emocionalmente prisioneira, com a autoestima estilhaçada, lutando para encontrar forças até para pedir ajuda.

A psicologia mostra que mulheres emocionalmente fragilizadas — seja por traumas, perdas, decepções ou falta de amor em sua história — se tornam alvos mais fáceis de homens abusivos. Homens assim, infelizmente, sabem reconhecer essa fragilidade e se aproveitam dela: oferecem atenção, fazem promessas, demonstram um falso cuidado. Armam a armadilha, e quando percebem, já prenderam a vítima emocionalmente.

Os números confirmam essa realidade. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (Anuário 2024), a cada 4 minutos, uma mulher sofre violência física no Brasil. E mais alarmante: 68% delas já haviam sofrido abuso psicológico ou emocional antes da primeira agressão física. A pancada visível, muitas vezes, é apenas a ponta de um iceberg de sofrimento que começou com palavras e gestos invisíveis.

E o que dizer das que não conseguem pedir socorro? Dados do Ministério da Justiça (2024) mostram que 86% das mulheres vítimas de feminicídio nunca registraram nenhuma denúncia contra seus agressores. Isso fala de medo, vergonha, desamparo. Muitas, ao olharem para os lados, não encontram mãos estendidas nem ouvidos atentos. Estão presas em um ciclo de dor e silêncio.

O ciclo da violência é traiçoeiro. Ele nunca começa com socos ou tapas. Começa com um comentário “inofensivo”, um controle disfarçado de “cuidado”, uma crítica aqui, um isolamento ali. Quando a primeira agressão física acontece, a mulher já está emocionalmente tão abatida que sente não ter mais forças para sair.

E o agressor? Muitas vezes, é alguém visto socialmente como “bom moço”, trabalhador, respeitável. Mas, como bem disse Jesus sobre os fariseus: “Vocês são como sepulcros caiados: por fora parecem belos, mas por dentro estão cheios de ossos e de toda a imundícia.” (Mateus 23.27). Triste constatação.

Ainda existe quem pense que violência doméstica só é real quando deixa marcas roxas ou cortes no corpo. Mas as feridas da alma são tão — ou até mais — devastadoras que as do corpo. Palavras que humilham, desprezo, silêncios frios, olhares carregados de ódio: tudo isso vai matando, aos poucos, o brilho, a vontade de viver.

A cura para essa realidade não passa pelo julgamento, mas pelo acolhimento.

Passa por ensinar essas mulheres que elas são dignas de respeito, de amor saudável, de uma vida plena.

Passa por criar redes de apoio reais — amigas, familiares, igrejas, profissionais — que ouçam sem criticar, que amparem sem exigir.

“Aprendam a fazer o bem! Busquem a justiça, acabem com a opressão. Lutem pelos direitos dos órfãos e defendam as viúvas.” (Isaías 1.17)

Precisamos trazer luz às feridas que não sangram, mas que matam por dentro.

Precisamos, sim, denunciar. Mas, mais do que isso, precisamos ser presença amorosa. Precisamos ensinar às meninas e meninos de hoje que amor de verdade não machuca, não domina, não destrói.

E que Deus, em Sua infinita misericórdia, nos dê olhos atentos para enxergar além das aparências e nos use como instrumentos de cura, acolhimento e restauração.

Fontes consultadas:

Fórum Brasileiro de Segurança Pública – Anuário 2024

Ministério da Justiça e Segurança Pública – Dados sobre feminicídio 2024

Pastor Luciano Gomes, teólogo

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