O Brasil atravessa uma de suas fases mais sensíveis. As instituições estão fragilizadas, os serviços públicos à beira do colapso e o povo, cada vez mais desamparado, sofre com o descaso, a insegurança e o abandono. Mas talvez o que mais assuste neste cenário não seja apenas a crise em si — e sim a cegueira voluntária de boa parte da militância política, em especial os defensores mais fervorosos do atual governo federal.
Recentemente, o país foi sacudido por um escândalo envolvendo o INSS: mais de R$ 6,3 bilhões foram desviados de aposentados e pensionistas entre 2019 e 2024. Pessoas humildes, que confiaram no sistema, foram vítimas de um esquema fraudulento operado de dentro do próprio governo. E o mais chocante: entre os apoiadores do governo, poucos foram os que se levantaram com indignação. Onde está a consciência? Onde está a coerência?
Esse silêncio revela algo ainda mais grave: a incapacidade de fazer autocrítica. Em vez de reconhecer erros e cobrar justiça, muitos preferem defender o indefensável, atribuindo a culpa a governos passados ou ao “sistema”. Mas como avançar se não reconhecemos onde estamos falhando?
A violência no país é outro reflexo dessa omissão. A Bahia, governada há anos por aliados do PT, lidera o ranking de homicídios com 45,1 mortes por 100 mil habitantes em 2022. É uma estatística trágica, especialmente quando se considera que parte significativa da base do atual governo é formada por representantes baianos. Mesmo assim, é raro ouvir desses líderes qualquer admissão de responsabilidade ou proposta concreta de mudança.
A educação sofre de um mal silencioso: o analfabetismo funcional atinge 29% da população brasileira. Isso significa que quase um terço do povo brasileiro tem dificuldade de ler e compreender um texto simples. Isso não é apenas um dado — é um grito de socorro. No entanto, onde estão os militantes progressistas cobrando eficiência, reformulação de políticas educacionais, valorização de professores? Em muitos casos, estão ocupados repetindo mantras ideológicos, ignorando a realidade.
O SUS, embora seja um dos maiores sistemas de saúde pública do mundo, ainda está longe de oferecer um atendimento digno e eficaz para todos. A precariedade salta aos olhos nas regiões mais pobres, enquanto discursos triunfalistas tentam pintar um cenário idealizado que não reflete o sofrimento de quem vive nas filas, nos corredores superlotados ou sem acesso a medicamentos básicos.
Mas por que tamanha resistência à autocrítica por parte dos militantes de esquerda, sobretudo os petistas? A resposta passa por vários fatores. Primeiro, há um apego quase religioso à figura do líder político. Lula, para muitos, não é apenas um ex-presidente — é um símbolo. E questionar o símbolo, para essa militância, é quase uma heresia.
Segundo, há uma ilusão de que qualquer crítica ao governo atual fortalece a “direita” ou o “bolsonarismo”. Assim, preferem calar diante das falhas evidentes para não dar “munição ao inimigo”. Essa lógica é perversa. Ela impede o debate honesto e a correção de rumos. E, no fim, quem paga o preço é o povo.
Por fim, existe um fenômeno psicológico chamado dissonância cognitiva, que explica como muitas pessoas resistem a aceitar fatos que contradizem suas crenças. É mais fácil negar a realidade do que admitir que se está apoiando um governo que falha — e falha feio.
Autocrítica não é traição. É maturidade. É responsabilidade com a verdade. Um país não se constrói com torcida organizada, mas com cidadãos conscientes, dispostos a enfrentar os fatos — ainda que doa.
Se o Brasil quiser sair do buraco em que está, terá que começar por esse passo: encarar a realidade de frente, abandonar a idolatria política e recuperar o senso de justiça. E isso começa por nós.
Pastor Luciano Gomes, teólogo