No cenário político e jurídico brasileiro, uma recente declaração do ministro Luís Roberto Barroso reacendeu um debate crítico e essencial sobre os limites entre os poderes da República. Durante a abertura do julgamento de processos relacionados à constitucionalidade do Marco Civil da Internet, Barroso afirmou que o Supremo Tribunal Federal (STF) aguardou “por um período bastante razoável” que o Congresso Nacional legislasse sobre a responsabilidade das redes sociais, mas como isso não aconteceu, a Corte decidiu tomar para si a tarefa de resolver o tema.
Tal fala não apenas desperta dúvidas, mas evidencia uma perigosa sobreposição de competências. É um passo que, em minha opinião, fere o equilíbrio democrático e o respeito à separação de poderes.
Judiciário Não é Legislativo
A Constituição Federal é clara em definir os papéis de cada poder. Ao Legislativo cabe legislar, ou seja, criar, alterar e aprovar leis; ao Judiciário, compete interpretar e aplicar essas leis aos casos concretos. O STF não possui – nem deve possuir – a prerrogativa de legislar. Quando decide por conta própria, alegando “omissão legislativa”, o Judiciário ultrapassa sua competência, invadindo um território reservado a representantes eleitos pelo povo.
O Congresso Nacional, com todos os seus defeitos e morosidades, é a casa legítima para discutir e decidir temas de alta complexidade e relevância. A ausência de uma decisão parlamentar não dá carta branca ao STF para legislar.
O Perigo do Precedente
O argumento do ministro Barroso de que a Corte “aguardou um período razoável” é, no mínimo, subjetivo. O que seria razoável? Quem define esse prazo? Se aceitarmos que o Judiciário pode substituir o Legislativo sempre que considerar a atuação deste insuficiente, abrimos um precedente perigoso: o de transformar o STF em uma espécie de “superpoder” que decide os rumos do país ao seu bel-prazer.
Além disso, legislar não é apenas uma questão de vontade ou urgência. É um processo complexo, que demanda debates, análises técnicas, audiências públicas e, acima de tudo, legitimidade democrática.
A Voz do Povo é Representada no Legislativo
Os parlamentares, apesar de suas falhas, são eleitos para representar a pluralidade da sociedade brasileira. Quando o STF decide legislar, ignora essa representatividade, desrespeitando o voto popular e concentrando poderes em uma instância que não foi designada para tal.
Neste caso específico, sobre a regulamentação das redes sociais, o impacto da decisão transcende o aspecto técnico-jurídico. Trata-se de uma questão que afeta diretamente a liberdade de expressão, os direitos individuais e os interesses econômicos. É inadmissível que decisões dessa magnitude sejam tomadas por um tribunal, sem o devido debate democrático.
Um Judiciário Ativista Não É Justiça
Não se trata de questionar a importância do STF no cenário nacional. Sua função de guardião da Constituição é indispensável. Contudo, quando a Corte se arvora como legisladora, sob o manto de “garantir direitos” ou “corrigir omissões”, ela enfraquece o próprio Estado de Direito.
Os ministros do STF não são eleitos pelo povo, mas indicados. Não têm o poder de legislar. A tentativa de justificar suas ações com base na “inércia” do Congresso é uma afronta à democracia.
Conclusão: Respeitemos os Limites dos Poderes
A declaração do ministro Barroso não é apenas um reflexo de um Judiciário que tem ido além de suas funções, mas um alerta sobre o risco de desequilíbrio institucional. Para garantir o futuro da democracia brasileira, é essencial que cada poder respeite seus limites constitucionais.
O STF, como guardião da Constituição, deve atuar dentro do que a própria Constituição lhe determina. Qualquer coisa além disso é autoritarismo travestido de justiça. Que os debates sobre temas sensíveis, como o Marco Civil da Internet, permaneçam onde devem estar: no Congresso Nacional, a casa legítima do povo brasileiro.