“Quem mandou matar Marielle Franco?”
Essa pergunta ecoou por anos nas ruas, nas universidades, nas tribunas do Congresso, nas redes sociais, nos grafites e nos murais espalhados pelo Brasil. Ela se tornou símbolo de uma luta política, ideológica e social — um grito por justiça que uniu multidões.
Mas agora, em 2025, uma nova pergunta toma conta do debate público. Uma pergunta ainda mais incômoda — não porque busque apagar a primeira, mas porque expõe o desequilíbrio e a hipocrisia daqueles que sempre se apresentaram como os paladinos da justiça:
“Quem mandou soltar Chiquinho Brazão?”
O desconfortável silêncio de quem sempre gritou mais alto
A decisão do Supremo Tribunal Federal de conceder prisão domiciliar a Chiquinho Brazão, acusado de ser um dos mandantes do assassinato de Marielle e de Anderson Gomes, gerou perplexidade. Mas não apenas pela decisão em si — afinal, o Brasil está acostumado a ver figuras poderosas escaparem da prisão.
A indignação generalizada se dá, principalmente, pelo silêncio ensurdecedor de figuras públicas que construíram suas carreiras erguendo a bandeira do caso Marielle.
Onde está o pronunciamento da ministra Anielle Franco, irmã da vereadora assassinada? Onde estão as declarações inflamadas de Érika Hilton e Sâmia Bonfim, deputadas da mesma sigla de Marielle e defensoras ferrenhas da pauta feminista e dos direitos humanos?
O silêncio não é neutro. Ele fala. E, neste caso, grita mais alto que qualquer discurso de palanque.
Justiça seletiva e conveniência ideológica
O Brasil assiste atônito a mais um episódio de justiça seletiva: enquanto presos do 8 de janeiro seguem encarcerados ou sob tornozeleira eletrônica — mesmo com laudos médicos apontando doenças graves —, Chiquinho Brazão foi enviado para casa com a benção da mais alta corte do país.
No programa Oeste Sem Filtro, da Revista Oeste, no Youtube, o comentarista Silvio Navarro lembrou do caso de Clezão, que morreu preso, vítima de omissão e abandono do sistema. Sua viúva e filha lutam até hoje por justiça. Mas, ao contrário de Brazão, ele não tinha cargo, influência ou amigos no STF.
Esse contraste revela uma verdade incômoda: no Brasil, a justiça tem lado partidário, cor e conveniência.
A transformação da dor em símbolo — e depois em silêncio
O assassinato de Marielle Franco foi brutal. Foi político. Foi covarde. E, por isso, precisava — e ainda precisa — de resposta. Mas quando o símbolo da luta é usado apenas como instrumento político, ele se esvazia no momento em que se exige coerência.
A bandeira de Marielle foi hasteada em comícios, em protestos, em campanhas eleitorais. Mas agora, quando o acusado de ordenar sua morte recebe o benefício da prisão domiciliar, a bandeira é recolhida discretamente.
A pergunta muda, o desconforto aumenta.
A hipocrisia não é apenas um erro — é uma traição à memória
Aqueles que sempre exigiram justiça agora se calam diante da soltura de um dos principais acusados. Essa omissão não é apenas incoerente. É uma traição à memória da própria Marielle.
Se a vida dela importava — como sempre foi dito —, o momento agora exigiria indignação. Exigiria cobrança. Exigiria coragem.
Mas a coragem, ao que parece, também é seletiva.
O símbolo que se volta contra seus criadores
Por ironia do destino — ou da política —, a pergunta que virou grito agora virou armadilha.
“Quem mandou matar Marielle?”, quando usada como bandeira ideológica, acabou deixando aberta a porta para uma nova pergunta, ainda mais devastadora para os que antes gritavam:
“Quem mandou soltar Chiquinho Brazão?”
Essa pergunta não serve para aplaudir a direita nem para criminalizar a esquerda. Ela serve para exigir coerência, justiça e responsabilidade. Serve para lembrar que a justiça não pode ser instrumento de narrativa, mas pilar de verdade.
E serve, acima de tudo, para dizer: não se mata uma memória duas vezes.