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Pr. Luciano Gomes

Pregadores Mirins: Um olhar bíblico, histórico e pastoral sobre a formação no Ministério.

Pr. Luciano Gomes

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Nas últimas décadas, tem sido cada vez mais comum vermos crianças ocupando os púlpitos como “pregadores mirins”. Vídeos circulam nas redes sociais mostrando meninos e meninas com microfone na mão, imitando entonações adultas, citando versículos e até fazendo apelos. Diante desse fenômeno, uma pergunta se impõe com seriedade: há base bíblica, teológica e histórica para esse tipo de ministério infantil?

A resposta não pode ser apressada. Não se trata de julgar a intenção ou desmerecer talentos, mas de refletir com maturidade e temor sobre o papel da criança no Reino de Deus, à luz das Escrituras, da tradição da fé cristã e do que hoje sabemos sobre o desenvolvimento emocional e espiritual da infância.

A formação da criança na tradição judaica

No Antigo Testamento, Deus delega aos pais a missão de ensinar os filhos:

“Estas palavras que hoje te ordeno estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos…” (Deuteronômio 6.6-7).

A palavra usada para “inculcarás”, no hebraico shinnantam, significa gravar profundamente. A formação da fé, no contexto judaico, era responsabilidade da família. Segundo o historiador judeu Flávio Josefo, e também conforme o renomado teólogo Alfred Edersheim, as crianças começavam a estudar a Torá a partir dos cinco anos de idade. Aos doze, já participavam da vida religiosa com mais intensidade. E aos treze, tornavam-se bar mitzvah, “filhos do mandamento”, assumindo responsabilidade espiritual perante a comunidade.

O ensino era progressivo, cuidadoso e centrado na convivência familiar e comunitária — nunca um espetáculo público. As crianças aprendiam primeiro a ouvir, depois a entender, e só então a falar sobre as coisas santas.

Jesus aos doze anos: exemplo, não modelo de ministério

O episódio de Jesus no templo, aos doze anos (Lucas 2.41-52), é frequentemente usado como justificativa para pregações infantis. No entanto, ali Jesus estava ouvindo e fazendo perguntas. Ele causava admiração, sim, mas ainda não pregava publicamente. Aquele momento é revelador, mas deve ser visto como um marco de desenvolvimento — não como um modelo a ser replicado em larga escala.

A seriedade do púlpito e o peso do ensino

A pregação da Palavra exige zelo e maturidade. Paulo recomenda que o obreiro seja alguém que “maneja bem a Palavra da verdade” (2Tm 2.15), e Tiago adverte:

“Meus irmãos, não sejam muitos de vós mestres, sabendo que receberemos mais duro juízo” (Tiago 3.1).

A Palavra é vida, mas também é espada. E espadas não devem ser entregues a crianças. Elas precisam ser preparadas antes, com carinho e firmeza.

Superexposição e risco psicológico

Hoje, com o advento das redes sociais, o que era vocação virou, em muitos casos, vitrine. Psicólogos alertam sobre os danos da superexposição precoce: ansiedade, vaidade espiritual, construção de identidade baseada em likes e elogios, além da pressão que esses pequenos sofrem para “manter o chamado”.

A igreja precisa ter sabedoria para discernir entre uma criança usada por Deus e uma criança usada por adultos.

Adolescentes podem pregar? Com cuidado, sim.

É verdade que alguns adolescentes, quando bem formados na fé, mostram sinais de vocação genuína. Quando criados em um ambiente cristão saudável, com base bíblica sólida e acompanhamento pastoral, podem sim ter espaço para proclamar a Palavra — com orientação, limites e muita oração. Mas isso deve ser exceção, e não regra.

Infelizmente, muitos crescem sem base teológica, expostos a heresias e a modismos, o que compromete seriamente seu entendimento da fé cristã. É preciso investir na formação bíblica, emocional e doutrinária desde cedo — e com profundidade.

Conclusão: formação, não performance

Crianças são bênçãos. Adolescentes também. Mas precisamos entender que ministério não é performance. O púlpito não é lugar de espetáculo. O verdadeiro ministério nasce no secreto, é cultivado com lágrimas, paciência e cruz.

Devemos formar nossas crianças e adolescentes como flechas afiadas, como diz o Salmo 127. Mas não se lançam flechas antes do tempo. Senão, ferem onde deveriam curar. Pregadores mirins podem emocionar, mas só pregadores maduros transformam vidas.

Que Deus nos dê discernimento para formar uma geração que ama a Palavra, não o palco. E que no tempo certo, essas crianças sejam instrumentos poderosos nas mãos do Senhor — com raízes profundas e frutos duradouros.

Pastor Luciano Gomes, teólogo

O Pastor Luciano Gomes é um destacado líder religioso e estudioso da Bíblia, formado em Teologia pelo Seminário Teológico Evangélico Betel Brasileiro, em Cruz das Almas/BA. Ele é o criador do Grupo Crescimento Espiritual no Facebook e do blog "Crescimento Espiritual" (luvidangomes.blogspot.com), onde compartilha seus conhecimentos e reflexões sobre estudos bíblicos, mensagens e temas relevantes para a vida cristã contemporânea. Com uma abordagem interdisciplinar, o Pastor Luciano Gomes aborda temas como família, fé, ética, missões, evangelismo, discipulado, liderança, igreja e sociedade, oferecendo uma perspectiva profunda e inspiradora para os cristãos do século XXI.

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