Pr. Luciano Gomes

Por que Deus destruiu a terra com o dilúvio? O que havia de tão grave nos dias de Noé?

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O relato do dilúvio em Gênesis é um dos textos mais intensos, dramáticos e misteriosos de toda a Escritura. Fala de uma geração corrompida, de uma decisão divina que mudou os rumos da história e de um homem que, mesmo em meio à depravação generalizada, encontrou graça diante de Deus: Noé.

Mas afinal, por que Deus destruiu a terra com o dilúvio? O que havia de tão perverso naquela geração que justificasse um juízo tão severo? E o que significam os tais “gigantes” que surgem misteriosamente em Gênesis 6?

Essas perguntas, longe de serem apenas curiosidades teológicas, tocam no coração da revelação bíblica sobre o pecado, o juízo e a graça. Vamos olhar com atenção, respeito e profundidade.

  1. A maldade humana diante de Deus: o verdadeiro motivo do juízo

O texto de Gênesis 6 é claro ao apresentar a razão do juízo divino:

> “Viu o Senhor que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que era continuamente mau todo desígnio do seu coração” (Gn 6.5).

A linguagem é pesada: “continuamente mau”, “todos os desígnios”, “multiplicação da maldade”. O que está em jogo aqui não é apenas a ação externa, mas uma corrupção interna e total da humanidade. Deus, ao ver isso, “arrepende-se” (no sentido de entristecer-se profundamente) de haver criado o homem (Gn 6.6).

Esse arrependimento não é mudança de caráter divino, mas uma expressão vívida da dor de Deus diante da degeneração do ser humano.

  1. E os gigantes? Quem são os tais “filhos de Deus” e os “nefilins”?

Aqui entramos numa parte do texto que há séculos provoca debates entre intérpretes. Gênesis 6.1-4 fala sobre “filhos de Deus” que tomaram para si “filhas dos homens”, gerando filhos que eram “gigantes na terra”, os chamados nefilins.

Três principais interpretações surgem aqui:

  1. a) A visão angélica

Essa é uma das mais antigas. Defende que os “filhos de Deus” eram anjos caídos que, ao se relacionarem com mulheres humanas, geraram uma linhagem híbrida de gigantes. Essa visão é apoiada por escritos judaicos antigos, como o Livro de Enoque, e encontra ecos em Judas 6 e 2 Pedro 2.4, onde se fala de anjos que não guardaram sua dignidade.

Alguns teólogos acreditam que essa intervenção dos anjos caídos seria uma tentativa satânica de corromper geneticamente a raça humana, para impedir a vinda do Messias prometido em Gênesis 3.15. Nessa linha, o dilúvio seria uma resposta divina para preservar a linhagem pura de onde viria o Salvador.

  1. b) A visão sética

Outra interpretação — mais aceita nos círculos reformados — entende que os “filhos de Deus” eram descendentes piedosos de Sete, e as “filhas dos homens” descendentes de Caim. O pecado aqui seria a mistura espiritual: casamentos entre justos e ímpios, que resultaram em uma sociedade moralmente corrompida.

  1. c) A visão política ou simbólica

Essa corrente interpreta “filhos de Deus” como reis ou nobres da antiguidade, que tomavam mulheres à força, gerando filhos poderosos, os tais “varões de renome”. Essa visão foca mais na opressão social do que em uma questão espiritual ou sobrenatural.

  1. Lúcifer tentou corromper a raça humana? Essa teoria tem base bíblica?

Existe uma linha mais recente de interpretação, defendida por alguns estudiosos contemporâneos, que diz que Satanás, ao ouvir a promessa do descendente da mulher (Gn 3.15), tentou corromper toda a genética humana, criando uma “raça híbrida” para impedir a chegada do Redentor. Essa teoria vê os nefilins como parte de um plano demoníaco para dominar e destruir a humanidade.

Embora essa visão seja coerente dentro de um pensamento escatológico mais especulativo, ela não encontra apoio direto e explícito nas Escrituras. Pode até ser interessante como hipótese, mas precisa ser tratada com cautela, pois corre o risco de tirar o foco da responsabilidade humana pelo pecado e centralizar a culpa apenas em seres espirituais.

O texto de Gênesis 6.5 é claro: o problema estava no coração do homem.

  1. A arca, a graça e o propósito do dilúvio

Em meio à corrupção e ao juízo, há um raio de esperança:

> “Porém Noé achou graça aos olhos do Senhor” (Gn 6.8).

Deus não destruiu tudo sem dar uma saída. A arca representa salvação, graça, refúgio. É um símbolo poderoso de Cristo, o único caminho de escape da condenação. O dilúvio aponta para o juízo, mas também para o amor de Deus que preserva aqueles que nele confiam.

  1. O que aprendemos com isso hoje?

Jesus disse que nos dias do fim seria “como nos dias de Noé” (Mt 24.37-39). Isso nos chama à vigilância. O mundo está se corrompendo, sim, mas a graça de Deus continua oferecendo salvação. Enquanto há tempo, é hora de proclamar a justiça, como Noé fez.

As interpretações sobre os gigantes e os anjos podem até gerar debates e curiosidades — e são válidas para reflexão —, mas o centro da mensagem é claro: Deus julga o pecado, mas oferece graça para os que o buscam de coração.

Pastor Luciano Gomes, Teólogo

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