No primeiro capítulo de Gênesis, a Bíblia nos apresenta a famosa narrativa dos seis dias da criação. Em Gênesis 1:1-31, lemos que Deus criou o céu, a terra, a luz, as plantas, os animais e, finalmente, o ser humano, descansando no sétimo dia. O texto parece sugerir uma ordem de criação sequencial, com Deus trabalhando durante seis dias e descansando no sétimo. Entretanto, ao aprofundarmos nossa compreensão, surge a pergunta: como entender esses “dias”? Seriam eles dias literais de 24 horas ou devemos considerar outra interpretação para esses períodos? E como a ciência e a teologia podem contribuir para a compreensão dessa questão?
O Conceito de “Dia” em Gênesis
No texto original em hebraico, a palavra para “dia” é “yôm”, que tem um significado flexível. Pode se referir tanto a um período de 24 horas, como a uma estação do dia (manhã, tarde), ou até mesmo a uma duração mais longa, dependendo do contexto.
Teologicamente, muitos estudiosos acreditam que o “dia” em Gênesis não deve ser entendido de forma literal. Ao contrário, há uma possibilidade de que os “dias” da criação representem períodos indeterminados de tempo, cada um com um propósito específico de Deus para estabelecer a ordem no universo. A visão de que os “dias” podem ser representações simbólicas de fases na criação é sustentada por diversas correntes teológicas, incluindo a teologia histórica e a teologia do “gap” ou “ruína-restauração”.
A Questão dos “Dias” e o Quarto Período de Criação
Uma questão central que emerge do relato de Gênesis 1 é que, enquanto Deus cria a terra, a luz, o céu e as águas no primeiro e segundo dia, os corpos celestes (o sol, a lua e as estrelas) só são criados no quarto dia. Isso gera uma questão interessante: como é possível medir “dias” sem o sol, a lua ou as estrelas? Essa dúvida sugere que a medida de tempo em Gênesis pode não ser referencial ao ciclo natural de 24 horas, como estamos acostumados a entender no contexto moderno.
Alguns estudiosos propõem que os primeiros três “dias” da criação não foram dias literais de 24 horas, mas sim períodos de tempo com uma função simbólica. Em vez de uma cronologia física rigorosa, esses dias poderiam representar ciclos cósmicos de ordem e reorganização do universo. Essa visão se encaixa na ideia de que, antes da criação do sol e da lua, Deus poderia ter usado outro sistema para ordenar a criação. Não seria a ideia de um dia literal, mas uma ordem de etapas que leva à conclusão do processo criativo.
A Teoria dos “Dias” como Longos Períodos de Tempo
Uma interpretação comum entre os teólogos é a visão dos “dias” como longos períodos de tempo, ou seja, cada “dia” representaria uma fase de criação que se estende por milhares ou até milhões de anos. Isso é conhecido como a “teoria do dia como era” (Day-Age Theory), que sugere que os eventos descritos em Gênesis ocorreram de forma gradual e em uma escala de tempo muito mais ampla do que 24 horas.
Essa visão é interessante porque combina a narrativa bíblica com a evidência científica de que o universo e a Terra se desenvolveram ao longo de bilhões de anos. Nesse sentido, os “dias” descritos em Gênesis seriam mais como estágios progressivos de criação, cada um com um propósito divino, refletindo o ritmo e a ordem do cosmos. Isso ajuda a reconciliar as discrepâncias entre a narrativa bíblica e as descobertas científicas, sem comprometer a autoridade das Escrituras.
O Papel da Ciência na Interpretação da Criação
A ciência moderna sugere que o universo se formou ao longo de um processo gradual. A teoria do Big Bang, por exemplo, descreve a origem do universo como um evento de proporções cósmicas que aconteceu bilhões de anos atrás. A formação da Terra, com sua atmosfera primitiva e as condições para a vida, também é compreendida como um processo gradual. Além disso, os cientistas indicam que a evolução das espécies e a formação dos corpos celestes, incluindo o sol e a lua, levaram milhões de anos.
Essa visão científica pode ser compatível com a ideia de que os “dias” da criação, em Gênesis, não são necessariamente períodos de 24 horas, mas longos estágios nos quais Deus foi trazendo ordem ao universo. Muitos teólogos defendem que a Bíblia não está em conflito com a ciência, mas que a narrativa de Gênesis deve ser lida com uma compreensão mais simbólica e teológica dos “dias”.
Conclusão:
A Duração e o Significado dos Dias de Gênesis
A narrativa da criação em Gênesis é profunda e rica, oferecendo não apenas uma descrição da origem do mundo, mas também um entendimento teológico sobre a ordem e a intencionalidade de Deus. Embora a ideia de dias literais de 24 horas seja uma interpretação tradicional, há uma forte base teológica e científica para considerar que os “dias” de Gênesis podem ser longos períodos de tempo, refletindo etapas progressivas da criação.
Deus, ao criar os céus e a terra, não apenas formou um mundo físico, mas também impôs ordem ao caos primordial, trazendo luz, separando as águas, e, finalmente, criando a humanidade à Sua imagem. A visão teológica de Gênesis, portanto, nos ensina não apenas sobre a origem do universo, mas também sobre a natureza ordenadora e redentora de Deus, que trabalha no tempo e através do tempo, para levar a Sua criação à plena realização.
Referências Bíblicas:
Gênesis 1:1-31 – A criação dos céus e da terra.
2 Pedro 3:8 – “Para o Senhor, um dia é como mil anos, e mil anos como um dia.”
Salmo 104:30 – “Envia o teu Espírito, e são criados, e assim renovas a face da terra.”
Pastor Luciano Gomes
Teólogo