O Abuso de autoridade de pastores e líderes: A manipulação do “ungido do Senhor”

Há um erro comum que vem sendo repetido por muitos pastores e líderes religiosos para se esquivarem de questionamentos e críticas: a famosa expressão “Não toqueis no ungido do Senhor.” Quantas vezes já ouvimos essa frase sendo usada para silenciar fiéis, para impedir que alguém exponha um erro, para blindar líderes de qualquer tipo de confronto?

Mas será que esse argumento tem base bíblica para ser usado dessa forma? Será que um pastor ou líder que comete erros, que vive em pecado ou que age como um tirano dentro da igreja está, de fato, acima de qualquer repreensão?

Neste artigo, vamos analisar o verdadeiro significado dessa passagem e entender como muitos têm distorcido a Palavra de Deus para benefício próprio, manipulando e amedrontando os fiéis.

2. O Verdadeiro Significado de “Não Toqueis no Ungido do Senhor”

A base desse argumento está em 1 Samuel 24:6, quando Davi teve a oportunidade de matar Saul dentro da caverna, mas se recusou, dizendo:

> “O Senhor me guarde de que eu faça tal coisa ao meu senhor, ao ungido do Senhor, estendendo a minha mão contra ele; pois é o ungido do Senhor.”

Davi estava fugindo de Saul, que queria matá-lo injustamente. Mesmo tendo a chance de acabar com seu perseguidor, ele decidiu não derramar sangue, pois reconhecia que Saul havia sido ungido como rei por Deus.

Mas observe algo importante: essa passagem não fala sobre questionar ou confrontar um líder. Ela trata exclusivamente do fato de que Davi não queria matar Saul, pois entendia que o juízo sobre um rei ungido pertencia a Deus, não a ele.

Se essa passagem significasse que ninguém pode confrontar um líder, então os profetas que repreenderam os reis estariam errados. Mas sabemos que não foi assim! Veja alguns exemplos:

Natã confrontou Davi após seu pecado com Bate-Seba e a morte de Urias (2 Samuel 12:1-7).

Paulo repreendeu Pedro publicamente por seu comportamento hipócrita (Gálatas 2:11-14).

Jesus denunciou os fariseus e os líderes religiosos de sua época (Mateus 23), chamando-os de hipócritas e guiando o povo contra sua falsa espiritualidade.

Isso prova que a Bíblia nunca ensina que líderes estão acima da correção. Pelo contrário, a Palavra de Deus nos mostra que ninguém está acima da disciplina e do juízo divino.

3. O Perigo dos Falsos Líderes que Usam Esse Argumento

Infelizmente, muitos líderes inescrupulosos usam essa passagem para manter os fiéis sob controle. Dizem coisas como:

“Não questione a minha autoridade, porque sou ungido do Senhor.”

“Se você falar contra mim, estará tocando no ungido de Deus e será amaldiçoado.”

“Quem se levanta contra mim está se levantando contra Deus.”

Esse tipo de discurso nada mais é do que manipulação. Jesus nos alertou sobre os falsos profetas que viriam vestidos de cordeiros, mas por dentro seriam lobos devoradores (Mateus 7:15-20).

Exemplos Históricos e Atuais

Ao longo da história, muitos líderes religiosos usaram essa tática para se proteger:

Na Idade Média, a Igreja Católica impôs o dogma da infalibilidade papal, onde ninguém podia questionar o Papa sem ser considerado herege. Isso resultou em séculos de abusos e perseguições contra quem ousasse discordar.

Nos movimentos neopentecostais modernos, alguns “apóstolos” e “bispos” ensinam que são os únicos com autoridade divina, chegando a dizer que desobedecer à sua liderança é o mesmo que desobedecer a Deus.

Casos recentes de escândalos financeiros e morais envolvendo pastores milionários mostram como muitos usam essa mentalidade para evitar investigações. Quando são acusados, dizem que estão sendo perseguidos por “invejosos” ou pelo próprio diabo.

4. O Verdadeiro Papel de um Líder Espiritual

A Bíblia ensina que a autoridade espiritual não é sinônimo de tirania. Jesus deixou claro que liderar no Reino de Deus significa servir, e não dominar:

> “Quem quiser ser grande entre vocês, seja o servo de todos.” (Marcos 10:43)

Além disso, os líderes espirituais devem estar sujeitos a prestação de contas. Veja o que Hebreus 13:17 diz sobre isso:

> “Obedecei a vossos guias e sede submissos, pois velam por vossa alma como quem deve prestar contas.”

Ou seja, líderes têm um papel de guiar, mas também têm a responsabilidade de prestar contas a Deus e ao povo. Eles não são inquestionáveis.

5. Como o Cristão Deve Lidar com Pastores que Abusam da Autoridade?

Se você faz parte de uma igreja onde o pastor ou líder usa essa mentalidade para amedrontar os fiéis, aqui estão algumas orientações bíblicas:

4. Examine tudo à luz da Palavra – Assim como os bereanos faziam (Atos 17:11), compare o que está sendo ensinado com as Escrituras.
5. Não tenha medo de denunciar o erro – Paulo instrui que presbíteros que pecam devem ser repreendidos publicamente (1 Timóteo 5:19-20).
6. Fuja de igrejas manipuladoras – Se o ambiente se tornou tóxico e controlador, talvez seja hora de buscar uma igreja saudável onde a liderança seja transparente e submissa à Palavra de Deus.
7. Não se deixe intimidar – Se um pastor ameaça você com maldição ou castigo divino por questionar algo, lembre-se de 2 Timóteo 1:7:

> “Porque Deus não nos deu espírito de medo, mas de poder, de amor e de moderação.”

A verdade sempre prevalece. Nenhum líder é maior do que a Palavra de Deus.

6. Conclusão

Não há dúvida de que o argumento do “ungido do Senhor” tem sido amplamente distorcido para blindar líderes corruptos. Mas a Bíblia nos ensina que ninguém está acima da correção, e que aqueles que lideram devem ser os primeiros a dar exemplo de humildade e prestação de contas.

Se você está em um ambiente onde pastores abusam da autoridade e usam essa passagem para evitar qualquer questionamento, abra os olhos. Deus não nos chamou para sermos escravos de homens, mas para sermos livres na verdade de Cristo.

Que a igreja do Senhor seja um lugar de ensino verdadeiro, de líderes que servem e não se impõem pela força, e que os fiéis tenham discernimento para não se deixarem enganar por aqueles que distorcem a Palavra para benefício próprio.

Pastor Luciano Gomes

Teólogo