O ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, está no centro de uma nova polêmica que pode desestabilizar uma das principais frentes da investigação sobre a chamada tentativa de golpe de Estado no fim de 2022. Durante seu interrogatório no Supremo Tribunal Federal (STF), Cid negou, sob juramento, ter utilizado redes sociais para tratar da delação premiada. No entanto, mensagens reveladas por VEJA indicam o contrário e colocam em risco os benefícios concedidos por seu acordo de colaboração com a Justiça.
Contradições e omissões no depoimento
No início de junho de 2025, Mauro Cid foi o primeiro a depor no processo que investiga o núcleo central da suposta conspiração golpista. Ao ser questionado pelo advogado de Bolsonaro, Celso Vilardi, se havia usado um perfil do Instagram para falar da delação, Cid negou. Confrontado com o nome do perfil @gabrielar702, ele hesitou e alegou não saber se era da sua esposa.

Print da conversa de Maruro Cid- Revista Veja-1
Essa hesitação pode custar caro. O acordo de delação firmado com o ministro Alexandre de Moraes impõe sigilo absoluto sobre os detalhes revelados à Polícia Federal (PF) e proíbe o uso de redes sociais e o contato com outros investigados. As mensagens trocadas por meio do perfil mencionado contradizem essas regras e evidenciam um possível duplo jogo: enquanto colaborava com as autoridades, Cid compartilhava bastidores da investigação com pessoas próximas ao ex-presidente.
Mensagens vazadas: críticas ao STF e revelações explosivas
As conversas datam entre janeiro e março de 2024 — período em que o acordo já havia sido homologado. Nas mensagens, Cid relata tentativas de manipulação por parte dos investigadores e acusa Alexandre de Moraes de já ter decidido condenações. “AM é o cão de ataque”, afirmou em um dos trechos, referindo-se ao ministro. Em outra mensagem, desabafa: “Eu acho que já perdemos… O STF está todo comprometido.”

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O militar também fala de forma clara que nunca afirmou que Bolsonaro teria planejado um golpe. Alega que apenas compartilhou o que ouviu nas reuniões, minimizando os fatos como “bravatas” ou “conversas de bar”. Ainda assim, reforça que presenciou reuniões com militares e que chegou a receber dinheiro em espécie para custear ações que poderiam impedir a posse de Lula.

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Impacto jurídico: risco de anulação da delação
Especialistas apontam que a quebra de confiança pode levar à rescisão da delação premiada. Caso isso ocorra, Mauro Cid volta a responder pelos crimes originais e pode ser condenado a até 40 anos de prisão. Seus benefícios — como a possibilidade de continuar na carreira militar e a segurança pessoal estendida à família — também estariam ameaçados.

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Além disso, a defesa de Bolsonaro vê no episódio uma oportunidade de desqualificar as provas baseadas nas informações de Cid. Embora a acusação possua cerca de 80 terabytes de arquivos, a delação do ex-ajudante foi considerada peça-chave para a construção da denúncia formal contra o grupo que alegam ter planejado um gope.
Reações e próximos passos
A Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal já avaliam se vão pedir a anulação da delação. A palavra final será de Alexandre de Moraes, que já havia alertado Cid sobre a obrigatoriedade de dizer a verdade. O STF, por sua vez, pode ter que revisar o peso das provas oriundas da colaboração, o que pode alterar significativamente o rumo do processo.
Enquanto isso, o perfil @gabrielar702 foi deletado logo após o depoimento. O gesto, tardio, reforça a percepção de tentativa de ocultação e pode ser usado como evidência adicional de má-fé por parte do tenente-coronel.
O caso Mauro Cid representa um divisor de águas na investigação sobre a tentativa de golpe no Brasil. Sua delação, antes vista como pilar do processo, agora corre o risco de ruir sob o peso das próprias contradições. Com a defesa de Bolsonaro ganhando novo fôlego, o desfecho dessa história ainda é incerto — mas já é certo que a credibilidade da colaboração premiada está profundamente abalada.